Pink Floyd – The Dark Side of the Moon (1973): a obra-prima do rock progressivo

Imagem ilustrativa criada com inteligência artificial.

O rock progressivo sempre foi acusado de pretensioso e cansativo. Em The Dark Side of the Moon, o Pink Floyd transforma a suspeita em triunfo: um álbum que funciona como relato da existência humana — tempo que escapa, prioridades invertidas, medo, ganância e loucura — sem abrir mão de melodias memoráveis. É uma viagem estética e filosófica que continua indispensável.

O contexto histórico: do underground ao Olimpo

Depois da derrocada de Syd Barrett, a banda tateava um rumo. A virada acontece em Abbey Road Studios, o estúdio mais famoso do mundo e berço das gravações dos Beatles, quando Roger Waters assume a bússola conceitual e a engenharia de Alan Parsons — o mesmo que mais tarde criaria o Alan Parsons Project — transforma o estúdio em instrumento narrativo. Em vez de mirar a grandiloquência vazia, o Floyd mira o humano: rotinas, ansiedades, morte e dinheiro, temas que dispensam moda.

Faixa a Faixa: guia de audição de The Dark Side of the Moon

Speak to Me / Breathe

Prólogo que soa como nascimento de consciência: batimentos, risadas, frases soltas, até a entrada aérea da guitarra de David Gilmour. “Breathe” é convite e alerta: viver é respirar e, quase sem notar, acomodar-se a um piloto automático confortável. O clima é de acolhimento enganoso, porque o disco vai cobrar essa acomodação em cada faixa.

On the Run

Ansiedade em estado puro, construída no EMS VCS3. A paisagem sonora lembra uma perseguição de aeroporto futurista: esteiras, portas, ruído de máquinas, coração acelerado. Para a época, ficção científica sonora; hoje, ainda soa moderna. É o aviso de que a pressa virou religião — e que ninguém escapa do relógio.

Time

O manifesto existencial. Relógios explodem em estéreo, a bateria tribal de Nick Mason monta a tensão, Richard Wright colore a harmonia, e então Roger Waters despeja a verdade incômoda: quando você percebe, a década já passou. O solo de Gilmour, de cortar o ar, é lição de fraseado e controle de dinâmica; zero exibicionismo, pura necessidade dramática.

The Great Gig in the Sky

A morte, sem palavras. Clare Torry, então uma jovem vocalista desconhecida de estúdios londrinos — fazia jingles e participações ocasionais — foi chamada quase por acaso. Recebeu uma instrução vaga: “cante como se fosse sobre a morte”. Sem letra e sem ensaio, improvisou gemidos, gritos e sussurros de intensidade absurda, achando até ter exagerado. Em uma única sessão, registrou uma catarse que virou assinatura do disco, guiada pelo piano elegíaco de Wright.

Money

Crítica ferina à ganância em compasso 7/4, com caixas registradoras virando percussão. O baixo de Waters conduz, Gilmour traciona, e Dick Parry incendeia no sax. A ironia é deliciosa: a canção que esfrega o materialismo na nossa cara virou o grande hit do álbum. A contradição não enfraquece a mensagem; escancara como tudo vira produto.

Us and Them

Divisão humana em câmera lenta. Wright puxa no piano um andamento quase jazzístico, Parry volta melancólico no sax, e a letra expõe guerras e barreiras sociais com frieza clínica. Versos delicados explodem em refrão imenso; é empatia e devastação no mesmo gesto. A canção mais bonita do disco — e talvez a mais cruel.

Any Colour You Like

Interlúdio instrumental de liberdade vigiada. Sintetizadores modulados e guitarras em delay constroem um voo psicodélico sedutor, mas a ideia é outra: a ilusão de escolha. Você pode tudo — desde que dentro do catálogo. O Floyd ri da nossa autonomia de shopping.

Brain Damage

O “lunático na grama” aponta para Syd Barrett, mas fala de todos que não cabem na cerca. Arranjo quase leve, sorriso de canto de boca, sombra sempre espreitando. Waters mostra que a sanidade é convenção frágil; forçar a mente até o limite cobra preço alto. É terno e inquietante ao mesmo tempo.

Eclipse

Fecho solene. Waters lista o inventário da vida — amor, fé, medo, raiva, política — e sentencia: tudo está sob o sol, mas o sol está eclipsado pela lua. O álbum se curva sobre si mesmo com os batimentos cardíacos, como quem diz que o ciclo recomeça. A experiência termina sem realmente acabar.

Produção e estética: quando o estúdio vira instrumento

Alan Parsons faz de Abbey Road um laboratório narrativo: entrevistas improvisadas nos corredores, batimentos captados com cuidado técnico, panoramas calculados, loops e texturas a serviço da história. É a mão do engenheiro-produtor que, anos depois, assinaria o Alan Parsons Project. A capa-prisma da Hipgnosis virou ícone universal e sintetiza a proposta: luz branca de temas humanos decomposta em espectro sonoro.

Repercussão e legado: o triunfo de um conceito

O álbum estreou no topo e manteve-se por mais de 700 semanas seguidas na Billboard 200; somando reentradas, ultrapassa 900 semanas — um feito praticamente sem paralelo. Vendas na casa das dezenas de milhões contam parte da história; o resto está na influência que vai de Radiohead a Dream Theater, passando por eletrônica e hip hop. Dark Side provou que conceito pode ser popular e que o progressivo pode emocionar sem pedantismo.

Conclusão: o relato da existência humana

Não é só culto vintage. The Dark Side of the Moon funciona como diagnóstico permanente: desperdiçamos tempo, negociamos valores, confundimos prioridades. Entre batimentos que abrem e fecham o disco, o Pink Floyd lembra que a vida é breve e barulhenta, e que o silêncio do relógio é o juiz final. É o auge criativo da banda e, sem medo do termo, o Santo Graal do rock progressivo.


Questões que não querem calar

É o melhor disco do Pink Floyd?
Muitos consideram Wish You Were Here mais emocional, mas Dark Side é o mais icônico.

O que torna este álbum tão especial?
A fusão rara de experimentação e acessibilidade, amarrada por uma produção visionária.

Por que ainda vale ouvir este álbum?
Porque as reflexões sobre tempo, dinheiro e alienação seguem atuais e universais.

Existe algum ponto fraco?
Talvez o peso do mito. Na prática, poucos discos chegam a esse nível de coesão.


Leia também

Por Rafael Drumond

Esse é apenas um lado da conversa. Qual é o seu? Comente e participe da discussão.