
Imagem ilustrativa criada com inteligência artificial.
Depois da abertura improvisada de Richie Havens, o festival já havia entrado para a história. Mas Woodstock estava apenas começando. Ao longo da noite de 15 de agosto e da madrugada seguinte, outros artistas subiram ao palco, revelando diferentes facetas da contracultura: do folk intimista à canção de protesto. Foi nesse clima que surgiram três apresentações simbólicas: Melanie, Arlo Guthrie e Joan Baez.
Melanie: a voz doce que acendeu velas na escuridão
Em 1969, Melanie Safka ainda era uma jovem cantora em início de carreira. Poucos fora do circuito folk de Nova York a conheciam, mas sua timidez logo se transformou em força quando pisou no palco de Woodstock.
Naquele momento, a noite já havia caído, e problemas de energia deixaram o ambiente quase no escuro. O público, espontaneamente, começou a acender velas e isqueiros para iluminar o campo. Melanie, emocionada, eternizou a cena em Beautiful People, canção que falava justamente sobre união e esperança.
Sua apresentação foi curta, mas simbólica. Canções como Birthday of the Sun mostraram uma artista em construção, que encontrava na vulnerabilidade um caminho para emocionar. Anos depois, Melanie transformaria a memória daquela noite na canção Lay Down (Candles in the Rain), um dos maiores sucessos de sua carreira.
Arlo Guthrie: o herdeiro da tradição folk
Se Melanie representava o frescor de uma novidade, Arlo Guthrie carregava o peso de um sobrenome lendário. Filho de Woody Guthrie, ícone do folk e da canção de protesto nos anos 1930 e 40, Arlo já havia conquistado notoriedade com a música Alice’s Restaurant Massacree, lançada em 1967, um épico de humor e crítica social que se tornou símbolo da juventude anti-guerra.
Em Woodstock, subiu ao palco já de madrugada, visivelmente sob efeito de drogas, tropeçando nas palavras e rindo de si mesmo. O microfone falhava, o som vinha e ia, mas a plateia não se importava. Quando cantou Coming into Los Angeles, uma história divertida sobre contrabando de drogas, arrancou risos e aplausos.
Apesar da performance tecnicamente desajeitada, Guthrie encarnava a essência do festival: espontaneidade, imperfeição e autenticidade. Sua presença lembrava que Woodstock não era apenas sobre virtuoses, mas sobre a celebração da liberdade artística em todas as formas.
Joan Baez: a canção como resistência
Se Melanie trouxe a vulnerabilidade e Guthrie o humor debochado, Joan Baez deu o tom solene da noite. Grávida de seis meses e com o marido, David Harris, preso por se recusar a lutar no Vietnã, Baez subiu ao palco como uma espécie de sacerdotisa da paz.
Já era a grande dama do folk, conhecida por sua voz cristalina e por seu engajamento político. Em Woodstock, cantou Joe Hill, homenagem a um sindicalista executado, e emocionou com Sweet Sir Galahad, dedicada à sua irmã. Mas o ponto alto veio no encerramento da noite: We Shall Overcome.
Cantada em coro por milhares de vozes, a canção dos direitos civis ecoou como um hino de fé em um mundo diferente. O público, molhado pela chuva fina que começava a cair, erguia as mãos e cantava junto. Foi um dos momentos mais espirituais do festival, um lembrete de que a música podia ser, ao mesmo tempo, beleza estética e arma de protesto.
Entre a vulnerabilidade e a resistência
A segunda noite de Woodstock mostrou que o festival não seria apenas sobre guitarras estridentes ou jams infinitas. Melanie trouxe a doçura da juventude, Arlo Guthrie o humor ácido e Joan Baez a solenidade engajada. Juntos, provaram que a música folk, tantas vezes vista como menor frente ao rock elétrico, era capaz de traduzir com perfeição o espírito de 1969.
Se Richie Havens havia aberto o festival improvisando liberdade, Baez o fechava como quem rezava por ela. Woodstock, naquele ponto, já não era apenas um evento: era uma experiência coletiva, que misturava caos, poesia e utopia.
Questões que não querem calar
Por que Melanie não ficou mais famosa após Woodstock?
Ela teve sucesso nos anos 70, especialmente com Lay Down (Candles in the Rain), inspirada no festival. Mas nunca alcançou a mesma dimensão de Baez ou Joni Mitchell.
Arlo Guthrie decepcionou em Woodstock?
Tecnicamente, sim. Mas sua presença descontraída, mesmo atrapalhada, foi fiel ao espírito de liberdade do evento.
Joan Baez era já uma estrela em 1969?
Sem dúvida. Ela era a grande voz feminina do folk, conhecida por sua atuação política e já reverenciada como musa do movimento dos direitos civis.
“We Shall Overcome” foi o maior momento da noite?
Sim. Transformou o campo lamacento em uma congregação espiritual, unindo música, política e emoção como raras vezes se viu na história do rock.
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Por Camila Stronda
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