Deep Purple In Rock: o clássico que incendiou os anos 70

Imagem ilustrativa criada com inteligência artificial.

Em 1970, o rock vivia sua ressaca psicodélica. O movimento hippie já não convencia tanto, e a juventude queria algo mais bruto, mais agressivo. Foi nesse cenário que o Deep Purple lançou In Rock, o disco que cravou o nome da banda no panteão do hard rock. Não é exagero dizer: este álbum é um marco fundador, um grito elétrico que rivalizava diretamente com o peso do Black Sabbath e a imponência do Led Zeppelin.

Contexto histórico: o nascimento de um monstro

Depois de três álbuns com desempenho comercial modesto e ainda bastante experimentais, o Purple finalmente acertou a formação que mudaria tudo: Ian Gillan (vocais) e Roger Glover (baixo) se juntaram a Ritchie Blackmore, Jon Lord e Ian Paice. O resultado foi uma química de arrogância técnica e brutalidade sonora. Enquanto o Sabbath mergulhava no oculto e o Zeppelin no blues pesado, o Purple escolheu o virtuosismo barulhento. O palco não era lugar de paz e amor, mas sim de gladiadores da música.

Faixa a faixa: guia de audição

Speed King

Uma abertura sem concessões: distorção caótica, gritos de Gillan que rasgam os ouvidos e um duelo insano entre o teclado Hammond de Jon Lord e a guitarra de Blackmore. A letra brinca com referências a clássicos do rock dos anos 50, mas o som é pura demolição setentista. O título não engana: a velocidade era quase inédita para a época, influenciando gerações futuras do metal.

Bloodsucker

Com riffs cortantes e um groove pesado, esta faixa mostra o Purple em modo ofensivo. Gillan cospe as palavras com agressividade, enquanto a cozinha de Glover e Paice mantém o ritmo avassalador. Aqui o Hammond soa como sirene de alerta, criando tensão constante. É uma faixa direta, mas cheia de energia maliciosa.

Child in Time

A obra-prima do disco. Dez minutos que começam lentos, quase inocentes, até se transformar em um ataque histérico de vocais e guitarras. Gillan alcança agudos tão extremos que beiram o surreal. Blackmore constrói um solo dramático, quase clássico, que explode em catarse. Inspirada no clima da Guerra Fria, é uma metáfora sonora de tensão nuclear. Muitos chamam de o “Stairway to Heaven” do Purple, mas na verdade é um hino apocalíptico único.

Flight of the Rat

Quase oito minutos de puro fôlego. Aqui o Purple mostra que também podia brincar com jams longas, mas sem perder a intensidade. O riff é veloz e a bateria de Paice soa como um trem desgovernado. É um dos momentos mais subestimados do disco: uma faixa que poderia muito bem ter servido de base para o speed metal anos depois.

Into the Fire

Pesada, repetitiva e hipnótica. O riff é simples, mas martela como um mantra metálico. Gillan alterna entre agressividade e melodia, e o resultado é uma faixa que soa como um protótipo do metal mais direto dos anos 80. Não há firulas aqui, apenas força bruta.

Living Wreck

Menos lembrada, mas reveladora: o Purple mostra que conseguia equilibrar groove e peso. O riff arrastado dá a sensação de algo sombrio, quase venenoso, enquanto Gillan interpreta com cinismo. É uma faixa que expande a paleta do disco, trazendo respiros entre a velocidade e a grandiosidade.

Hard Lovin’ Man

O encerramento é uma pancada futurista. Velocidade, riffs circulares e teclado frenético — tudo apontando para algo além do hard rock tradicional. Muitos críticos a consideram precursora do thrash, tamanha a urgência e agressividade. Fechar o álbum com esse soco foi uma declaração clara: o Purple queria ser lembrado como a banda mais barulhenta da Inglaterra.

Produção e estética

Gravado em Londres, In Rock foi o primeiro álbum com a formação clássica. O som propositalmente cru capturava a violência dos shows. A capa, parodiando o Monte Rushmore com os integrantes talhados na pedra, era puro deboche e megalomania. Eles não estavam pedindo permissão para entrar no panteão do rock: estavam se esculpindo à força.

Repercussão e legado

Até 1970, o Deep Purple era visto como uma banda promissora, mas ainda distante das massas. Os três primeiros álbuns tinham recebido atenção crítica moderada e resultados comerciais limitados. Foi com In Rock que a explosão aconteceu: o disco alcançou o top 5 nas paradas britânicas, transformou os shows em arenas lotadas e consolidou a banda como gigante mundial. Hoje, é lembrado como um dos pilares fundadores do hard rock e heavy metal. Sem ele, a trajetória de dezenas de bandas — do Iron Maiden ao Metallica — teria sido muito diferente.

Conclusão: fogo eterno

In Rock não é disco para audição tímida. É um ataque sonoro, feito para incomodar vizinhos, professores e críticos. Meio século depois, continua queimando com a mesma intensidade. Se o Sabbath trouxe o peso sombrio e o Zeppelin o misticismo, o Purple trouxe a arrogância virtuosa. E isso incendiou os anos 70.


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Questões que não querem calar

O In Rock foi o ponto de virada comercial do Deep Purple?
Sim. Foi o disco que os tirou do patamar de banda promissora para gigantes de estádio.

“Child in Time” é exagerada ou genial?
É os dois ao mesmo tempo — e justamente esse excesso transformou a faixa em obra-prima.

Por que o Deep Purple é menos citado que Sabbath e Zeppelin?
Porque sua trajetória foi mais marcada por altos e baixos comerciais, mas em termos de impacto sonoro, In Rock é tão decisivo quanto os clássicos das outras duas bandas.

O disco ainda soa relevante hoje?
Sem dúvida. Faixas como “Hard Lovin’ Man” já antecipavam a agressividade do metal extremo que só viria anos depois.


Por Rafael Drumond
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