
Imagem ilustrativa criada com inteligência artificial.
Todo fã de rock tem aquele disco que considera intocável, uma obra sagrada que ninguém ousa criticar. Mas será que todos esses clássicos merecem mesmo o pedestal em que foram colocados? Muitas vezes, a crítica especializada e a própria história da música transformam certos álbuns em lendas, quando, na prática, eles estão mais para registros medianos inflados por contexto e marketing do que para obras-primas absolutas. É hora de cutucar alguns ídolos e analisar com lupa alguns álbuns de rock superestimados.
The Beatles – Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967)
Talvez nenhum álbum tenha sido tão elevado à condição de “melhor da história” quanto Sgt. Pepper’s. É inegável a sua importância técnica: revolucionou o conceito de álbum como arte, trouxe ousadia de estúdio e uma capa icônica que virou símbolo da psicodelia. Mas quando tiramos a névoa da mitificação e escutamos as faixas com calma, a realidade aparece: musicalmente, ele é muito irregular. Canções como “Fixing a Hole”, “Good Morning Good Morning” e “Lovely Rita” soam mais como experimentos curiosos do que como clássicos eternos. Quando comparamos com Revolver (1966), que já trazia experimentação mas com melodias impecáveis, ou com Abbey Road (1969), onde a banda atinge maturidade máxima, fica claro que Sgt. Pepper’s se sustenta mais pela inovação e pelo peso histórico do que pela consistência sonora. É um marco cultural, mas não é o ápice artístico dos Beatles.
Nirvana – Nevermind (1991)
Se Sgt. Pepper’s é o “pai dos clássicos”, Nevermind é o “adolescente rebelde” da lista. O álbum que derrubou o hair metal das paradas e colocou o grunge de Seattle no mapa é celebrado como um divisor de águas. E foi, sem dúvida, em termos culturais. Mas como obra musical, deixa a desejar. Produzido por Butch Vig para soar mais acessível, Nevermind embalou a sujeira do Nirvana em formato radiofônico pronto para a MTV. A fórmula se repete: versos sussurrados, refrões berrados e riffs simples, criando uma homogeneidade que envelheceu mal. Há hinos inegáveis — “Smells Like Teen Spirit”, “Lithium”, “Come As You Are” —, mas também muita sobra que parece ensaio de garagem registrado às pressas. O próprio Nirvana corrigiu essa rota em In Utero (1993), um disco cru, visceral e muito mais honesto artisticamente. O problema é que a tragédia de Kurt Cobain ajudou a transformar Nevermind em relíquia, quando na verdade ele é mais um artefato de época do que uma obra-prima musical.
Pink Floyd – The Wall (1979)
Com The Wall, o Pink Floyd mostrou que o rock podia ser um espetáculo multimídia completo: álbum duplo, filme e turnê grandiosa. Mas a ambição não esconde as falhas. O disco é dominado pelo ego de Roger Waters, que assumiu o controle criativo e reduziu Gilmour, Wright e Mason a meros coadjuvantes. O resultado é uma obra inchada, com 26 faixas em que sobram interlúdios pouco inspirados. É claro que existem momentos brilhantes: “Comfortably Numb” é uma das grandes músicas da história do rock, e “Another Brick in the Wall” virou hino mundial. Mas boa parte do álbum serve mais como cola narrativa para a ópera rock do que como canções fortes por si só. Se compararmos com Dark Side of the Moon (1973) e Wish You Were Here (1975), percebemos a diferença: esses discos são coesos, hipnóticos, envolventes do início ao fim. The Wall impressiona no palco e no cinema, mas como álbum acaba soando cansativo e irregular.
Guns N’ Roses – Chinese Democracy (2008)
Poucos discos sofreram tanta pressão antes do lançamento quanto Chinese Democracy. Foram mais de quinze anos de promessas, regravações e milhões de dólares gastos, até que finalmente saiu em 2008. O problema é que, quando o álbum chegou, já parecia velho. Axl Rose gravou praticamente sozinho, sem Slash, Izzy ou a química da formação clássica, transformando o disco em um projeto solo disfarçado. O excesso de produção é gritante: camadas de guitarras, teclados, efeitos digitais e overdubs que mais confundem do que empolgam. Há boas ideias enterradas ali, mas nada que se compare à explosão crua de Appetite for Destruction (1987), onde a banda soava faminta e imortal. Chinese Democracy virou símbolo não da genialidade de Axl, mas da incapacidade de entregar algo que correspondesse ao mito criado ao redor dele. Mais lembrado pela espera interminável do que pelo conteúdo musical em si.
Led Zeppelin – In Through the Out Door (1979)
O último álbum de estúdio do Led Zeppelin antes da morte de John Bonham é frequentemente tratado com condescendência, mas a verdade é que se trata de um disco superestimado. Jimmy Page estava ausente, afundado em problemas pessoais, e quem assumiu as rédeas foi John Paul Jones com seus teclados e sintetizadores. O resultado é um Zeppelin descaracterizado, tentando dialogar com os sons do fim dos anos 70, mas sem a alma hard rock que os consagrou. “Fool in the Rain” é divertida e ainda carrega certo brilho, mas o restante soa perdido, desconexo e sem energia. Quando colocado lado a lado com Physical Graffiti (1975) ou Houses of the Holy (1973), a diferença é gritante: nesses álbuns a banda parecia em fogo máximo; em In Through the Out Door, parecia apenas cansada. O respeito que o disco carrega vem mais do peso do nome Led Zeppelin do que da qualidade real do conteúdo.
Por que idolatramos discos medianos?
O ponto comum entre todos esses álbuns é o contexto. Sgt. Pepper’s foi o símbolo de uma revolução cultural; Nevermind deu voz a uma geração perdida; The Wall virou espetáculo; Chinese Democracy foi o disco que nunca chegava; e In Through the Out Door marcou o fim de uma era. O problema é que confundimos impacto histórico com genialidade musical. Idolatrar sem questionar é trair a essência crítica e contestadora do próprio rock. E talvez a maior provocação seja essa: será que não está na hora de revisitar esses discos com ouvidos menos românticos e mais realistas?
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Questões que não querem calar
Esses álbuns são ruins?
Não. São importantes, mas não são a perfeição que vendem.
Por que são tão idolatrados?
Porque a história, a crítica e o marketing foram generosos com eles.
Quais outros poderiam estar nessa lista?
OK Computer (Radiohead), American Idiot (Green Day) e até Hotel California (Eagles) costumam entrar nesse debate.
Por Bruno Falcão
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