
Imagem ilustrativa criada com inteligência artificial.
Se ainda tem gente que insiste em repetir o clichê de que “rock é coisa de homem”, sugiro que essa pessoa vá imediatamente rever a história. Desde os primórdios do gênero, foram mulheres que arrebentaram portas, quebraram estereótipos e deixaram claro que talento não tem gênero. O problema é que a indústria, sempre míope e machista, demorou a reconhecer isso.
Neste artigo, vamos revisitar as artistas que moldaram o rock em diferentes décadas, contextualizando seus estilos musicais e mostrando como sua influência atravessou gerações. Prepare-se: este não é um texto para massagear egos masculinos. É uma análise crítica de como o rock, em essência, é feminino também.
O berço feminino do Rock’n’Roll
Muito antes de Elvis balançar o quadril, Sister Rosetta Tharpe já misturava gospel, rhythm & blues e guitarra elétrica com uma fúria que hoje é considerada a semente do rock. Seu estilo transitava entre o gospel e o proto-rock, com solos de guitarra que inspiraram diretamente Chuck Berry e Elvis Presley. Sim, foi uma mulher negra que praticamente inventou a linguagem do instrumento que até hoje é tratado como símbolo fálico do gênero.
Ignorar a importância de Sister Rosetta é cometer um crime histórico. Ela não foi coadjuvante, mas protagonista na gênese do rock.
Décadas de 60 e 70: coragem em meio ao machismo
Nos anos 60, Janis Joplin, ícone do blues rock e do psicodélico, apareceu como um soco na cara de uma cena dominada por rapazes. Sua voz rasgada não era “bonita” no sentido clássico, mas carregava uma verdade brutal, muito mais autêntica que muita banda de blues-rock fabricada. Janis encarnava a contracultura em sua forma mais pura, vulnerável e intensa.
Na Inglaterra, Suzi Quatro surgiu no glam rock e hard rock, abrindo espaço para o baixo feminino no rock pesado e inspirando toda uma geração de garotas que perceberam que não precisavam ser apenas “a namorada do guitarrista”. O mais irônico? Muitos jornalistas da época a tratavam como um “exótico acidente”. Pois é, o machismo não dava trégua.
Punk e contracultura: a hora da virada
Se tem um movimento que abriu as portas para mulheres, foi o punk. Patti Smith, unindo punk rock e art rock, trouxe poesia crua para a sujeira das guitarras. Com seu álbum Horses (1975), ela mostrou que literatura e rock podiam conviver sem concessões. Não à toa, ganhou o apelido de “madrinha do punk”, por sua influência direta no nascimento do movimento em Nova York.
Siouxsie Sioux, no pós-punk e no gothic rock, redefiniu estética e sonoridade de toda uma cena alternativa. Sua influência vai muito além da música: ela moldou o visual e a atmosfera do gótico que ainda ecoa até hoje.
E o The Runaways, banda de adolescentes lideradas por Joan Jett (proto-punk/hard rock) e Lita Ford (heavy metal), provou que garotas podiam tocar alto, rápido e perigoso sem pedir desculpa a ninguém. Joan Jett seguiu carreira solo e se consolidou como “Rainha do Rock’n’Roll”, um dos maiores ícones femininos do gênero. O mais absurdo é que críticos da época diziam que “elas tocavam como homens”, como se o talento precisasse desse carimbo de validação. Absurdo.
Anos 80 e 90: da MTV ao grunge
A explosão da MTV trouxe figuras femininas que dominaram o palco com força. Debbie Harry, do Blondie, transitava entre punk-pop, new wave e disco-rock, misturando estilos com uma naturalidade irritantemente genial. Sua estética e carisma ajudaram a redefinir o papel da mulher no rock comercial.
Já Chrissie Hynde, com o Pretenders, fincou o pé no punk rock e pop rock, mostrando que podia liderar uma banda com riffs cortantes e letras afiadas sem suavizar a própria personalidade. Chrissie nunca pediu licença, simplesmente tomou seu espaço.
Nos anos 90, o grunge parecia um ambiente novamente masculino… até que Courtney Love, à frente do Hole, chutou portas no alternative rock e grunge, trazendo vulnerabilidade e caos na mesma medida. Gostem ou não dela, é impossível negar sua importância.
Shirley Manson, com o Garbage, misturou alternative rock e elementos eletrônicos, criando uma sonoridade moderna que capturou a essência da década. Sua presença magnética mostrou que ser pop e sombria não era contradição, mas sim revolução.
E, claro, não dá para esquecer o movimento Riot Grrrl, com bandas como Bikini Kill e Sleater-Kinney. Elas não apenas gritaram contra o machismo da indústria, mas também criaram uma cena alternativa onde mulheres eram protagonistas, inspirando gerações inteiras a levantarem a voz.
Hoje: resistência e reinvenção
Ainda que o mainstream insista em transformar mulheres do rock em “produtos pop”, é impossível negar que nomes como PJ Harvey (alternative e art rock), St. Vincent (indie e experimental) e Karen O (garage e art punk) continuam provando que o rock feminino não precisa de concessões. Cada uma, à sua maneira, expande os limites do gênero e redefine o que significa ser roqueira no século XXI.
E veteranas como Joan Jett continuam na ativa, esfregando atitude na cara de quem ainda duvida da força feminina no rock.
O rock, em essência, sempre foi resistência. E nada mais resistente do que mulheres que desafiaram o preconceito, o assédio, a desvalorização e, mesmo assim, escreveram capítulos fundamentais dessa história.
Conclusão
O rock que você ouve hoje — seja no riff distorcido, na atitude de palco ou na coragem de desafiar padrões — carrega DNA feminino. Ignorar isso é, no mínimo, desonestidade histórica.
Da próxima vez que alguém tentar diminuir a importância das mulheres no rock, faça um favor: aumente o volume de Sister Rosetta Tharpe e diga “foi ela quem começou tudo”.
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Questões que não querem calar
O rock foi inventado por uma mulher?
Não sozinho, mas Sister Rosetta Tharpe foi pioneira absoluta na fusão de gospel e guitarra elétrica — base do que chamamos de rock.
As mulheres sempre foram minoria no rock?
Sim, mas não por falta de talento, e sim por barreiras impostas pela indústria e pela mídia.
O Riot Grrrl ainda influencia bandas hoje?
Sem dúvida. A cena alternativa e até parte do pop atual carregam ecos do movimento feminista punk dos anos 90.
Quem é a verdadeira ‘madrinha do punk’?
Esse título é da Patti Smith, graças ao impacto do álbum Horses (1975) na cena de Nova York. Já Joan Jett é lembrada como a Rainha do Rock’n’Roll, pelo peso de sua carreira solo e influência no hard rock e proto-punk.
Quais estilos cada artista ajudou a moldar?
Sister Rosetta (proto-rock/gospel), Janis Joplin (blues rock/psicodélico), Suzi Quatro (glam/hard), Patti Smith (punk/art rock), Siouxsie Sioux (pós-punk/gótico), Runaways (hard/proto-punk), Debbie Harry (new wave/punk-pop), Chrissie Hynde (punk/pop rock), Courtney Love (grunge/alternative), Shirley Manson (alternative/eletrônico), PJ Harvey (alternative/art), St. Vincent (indie/experimental), Karen O (garage/art punk).
Por Rafael Drummond
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